1. A democracia direta e a democracia indireta
Ao nos depararmos com o termo “democracia”, muitos logo apontam esse tipo de governo como sendo aquele que se guia por meio da vontade do povo. Nesse sentido, a população teria o direito de interferir nas escolhas e decisões que afetariam diretamente as suas vidas. Entretanto, o espaço político gerado pela democracia pode ser organizado das mais diferentes formas e deve atender à especificidade de cada povo. É daí que reconhecemos a existência dos modelos de democracia direta e indireta.
A democracia direta pode já ser vista como um tipo de sistema onde os cidadãos discutem e votam diretamente as principais questões de seu interesse. Na Grécia Antiga, as assembleias populares reuniam a população das cidades-Estado democráticas na Ágora (praça), local onde as leis e principais decisões eram discutidas e resolvidas. Vale lembrar que nos moldes gregos, o exercício de opinião política estava restrito a uma parcela específica da população.
Na medida em que as sociedades se alargavam numericamente e a organização social se tornava cada vez mais complexa, vemos que o sistema de democracia direta se mostrava inviável. Afinal de contas, como seria possível contabilizar o voto de toda uma população numerosa, na medida em que as questões a serem decididas não poderiam estar sujeitas ao registro do voto de cada um dos indivíduos? É nesse instante que temos a organização da chamada democracia indireta.
A democracia indireta estabelece que a população utilize do voto para a escolha dos representantes políticos mais adequados aos seus interesses. Desse modo, os cidadãos teriam os seus direitos assegurados por vereadores e deputados que se comprometeriam a atender os anseios de seus eleitores.
Assim, a democracia indireta ou representativa é aquela onde o povo é a fonte primária do poder, não dirigindo o Estado diretamente, e sim, por delegação a representantes. Para Montesquieu, um dos primeiros teóricos da democracia moderna, o povo é excelente para escolher, mas péssimo para governar. Sendo assim, o povo precisa, portanto, de representantes, que vão decidir e querer em nome do povo. As principais características da democracia indireta ou representativa são, dentre outras:
- a soberania popular, como fonte de poder legítimo do povo;
- a vontade geral;
- o sufrágio universal, com pluralidade partidária e de candidatos;
- a distinção e a separação dos poderes;
- o regime presidencialista;
- a limitação das prerrogativas do Estado e a igualdade de todos perante a lei.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
(...)
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
No entanto, observando o desenvolvimento da democracia indireta, vemos que esse compromisso entre os políticos e os cidadãos está sujeito a vários questionamentos.
Visando escapar do afastamento à norma democrática, observamos hoje a organização de algumas iniciativas interessadas em reforçar o poder de intervenção do povo através do uso do voto. Um desses exemplos pode ser visto na organização do chamado “orçamento participativo”, sistema em que autoridades de um município anunciam a existência de uma determinada verba e conclamam a população de um bairro ou região para discutir e votar sobre qual a melhor destinação dos recursos.
A democracia original grega era amplamente fundada no debate público e na participação direta do cidadão nas decisões coletivas. Essa experiência de democracia direta era possível numa polis pequena, como a Atenas do século V a. C., onde viviam cerca de 30 mil cidadãos.
Dois movimentos contemporâneos acenam com essa possibilidade de democracia direta: a organização da sociedade civil em rede e o governo eletrônico. Ambo os conceitos estão fortemente apoiados nas tecnologias da informação.
Assim, a democracia eletrônica enquanto um complemento para uma república aponta para uma participação cidadã mais ampla e ativa habilitada pela Internet, comunicações móveis e outras tecnologias existentes, bem como através de formas mais participativas ou diretas de envolvimento dos cidadãos na resolução dos problemas públicos (Macintoch, Ann, 2006).
Nos últimos quatro anos, houve um crescimento significativo da democracia eletrônica, já que tanto o setor público, quanto o setor privado tem oferecido plataformas de envolvimento dos cidadãos, oferecendo maior possibilidade de acesso às pessoas.
As redes sociais são uma importante área emergente para a democracia eletrônica, pois se percebe o uso pelo governo de redes sociais como um meio para ajudar o próprio governo a agir de forma mais próxima e direta com o público a que serve.
2. A democracia eletrônica como um retorno à democracia direta
Em um discurso, em 21 de janeiro de 2010, Hillary Clinton, abordou a questão da liberdade na Internet e do papel que as novas tecnologias têm desempenhado na formação de práticas democráticas.
Em muitas nações democráticas, a Internet é utilizada como uma ferramenta para a democracia na promoção dos direitos humanos básicos. O direito à liberdade de expressão, de religião, de expressão, de forma pacífica de manifestação, para responsabilizar os governos por suas ações, bem como o direito de conhecimento e compreensão, ajudam a garantir a preservação da democracia. Todos esses direitos básicos que Clinton descreve são promovidos através do uso da tecnologia. Uma questão prática que Clinton abordou é o da "liberdade para se conectar".
"A liberdade para se conectar - a ideia de que os governos não devem impedir as pessoas de se conectar à internet, em sites, ou um ao outro a liberdade para conectar é como a liberdade de reunião, mas no ciberespaço, pois ele permite que indivíduos fiquem juntos online e cooperem para a solução de problemas, já que uma vez que você está na internet, você não precisa ser um magnata ou uma estrela de rock para ter um enorme impacto sobre a sociedade". (Clinton, Hillary R. "Observações sobre a Liberdade na Internet (Remarks on Internet Freedom)". U.S. Department of State. 21 Jan. 2010. Web. 15 Mar. 2011)
3. A democracia eletrônica como um sistema emergente ou como um instrumento sistêmico
A livre troca de ideias é algo que remonta ao nascimento da própria sociedade como a conhecemos. A tecnologia em si não cria essas ideais, mas possibilita às pessoas a habilidade de procurar, receber e transmitir informações através de canais de mídia quaisquer que se deseje, de uma forma mais eficaz. Esse acesso ao conhecimento, informação e oportunidades que normalmente não se teria sem a internet, faz com que a participação política seja implementada de maneira mais efetiva.
Assim, “no novo pensamento sistêmico a metáfora do conhecimento como um edifício está sendo substituída pela da rede. Quando percebemos a realidade como uma rede de relações, nossas descrições também formam uma rede interconectada de concepções e de modelos”.
Parece haver um entendimento internacional de que este é o caminho para dinamizar a relação entre governo e cidadãos e promover a democratização do século XXI, cunhada de democracia eletrônica. A vinculação entre governo eletrônico e democracia eletrônica fica mais clara quando se observam os objetivos que normalmente aparecem associados aos programas de governo eletrônico:
- melhora na prestação de serviços públicos, maior extensão de atendimento e economia de recursos;
- transparência nas ações do Estado e maior controle social;
- maior participação popular.
4. Conceito
Nesse contexto, e nas palavras de ANN MACINTOSH (Professora Emérita de Governo Digital da Universidade de Leeds, no Reino Unido) em 2004, a democracia eletrônica seria entendida como um complemento tecnológico para uma república. E ela afirma: "A e-democracy está preocupada com o uso de tecnologias de informação e comunicação para engajar os cidadãos, apoiar processos decisórios democráticos e fortalecer a democracia representativa”.
Não obstante todo o apresentado até aqui, é relevante lembrar que uma série de questões práticas cercam a democracia eletrônica, pois, na mídia, na Internet e na consciência popular, há uma visão forte e geralmente inconteste de que a Internet é o berço da nova democracia eletrônica.
5. Acesso físico X acesso cognitivo: a questão da competência informacional
Assim, há indícios do retorno à democracia direta, agora amparada nas TIC´s, por isso, denominada de democracia eletrônica. É uma democracia, entretanto, que exige cidadãos aptos a lidar com o conteúdo que trafega nas redes de informação, capacidade essa que pode ser traduzida no conceito de competência informacional.
Democratizar a informação não pode, assim, envolver somente programas para facilitar e aumentar o acesso à informação. É necessário que o indivíduo tenha condições de elaborar este insumo recebido, transformando-o em conhecimento esclarecer e libertador, em benefício próprio e da sociedade onde vive. (BARRETO, 1994)
Na Europa, as políticas educativas para a sociedade da informação tem se constituído em autênticas politicas de alfabetização em informação. Quanto maior o número de cidadãos informados e conscientes dos seus direitos e deveres, maior a possibilidade de democracia e chances da nação competir internacionalmente, considerando que a nação é a soma dos indivíduos.
O acesso pleno à informação, portanto, pressupõe não apenas o acesso físico, mas também o cognitivo, para que se estabeleça a criticidade necessária para avaliar as informações disponíveis.
6. Conclusões
Os acontecimentos recentes, como a Revolução Egípcia em 2011 e os Protestos deflagrados pelo Movimento Passe Livre no Brasil, mostram-nos como essa ideia de e-democracia foi efetivamente utilizado na arena política.
Começando em 25 de janeiro de 2011, protestos em massa, marchas e comícios inundaram as ruas de Cairo, no Egito, aos milhares. Os cidadãos protestavam contra o longo reinado de seu presidente, Hosni Mubarak, bem como a elevada taxa de desemprego, a corrupção do governo, a pobreza e a opressão na sociedade. Esta revolução de 18 dias não começou com armas, violência ou protestos, mas sim com a criação de uma página no Facebook único que ganhou rapidamente a atenção de milhares, e logo milhões, dos egípcios, espalhando em um fenômeno global.
Mesmo quando o regime eliminou todo o acesso à internet em uma tentativa fracassada de conter ainda mais políticos fóruns on-line, Google e Twitter se uniram, fazendo um sistema que iria obter informações para o público, mas sem acesso à internet.
No Brasil, o Movimento Passe Livre que iniciou seus protestos de forma desorganizada e violenta há poucos mais de uma semana, foi tomando forma e conteúdo, lapidando seus ideais e alterando sua abordagem a ponto de receber o apoio de grande parte do País, nas redes sociais, mas mais do que isso, efetivamente nas ruas, sendo que os protestos de ontem, 17 de junho de 2013, chegaram a reunir só em São Paulo e no Rio de Janeiro, mais de 65 mil e 100 mil pessoas, respectivamente.
A interatividade dos meios de comunicação durante estas revoluções impulsionou a participação cívica e desempenhou um papel monumental no resultado político da revolução e democratização de uma nação inteira. Por outro lado, uma grande emissora do Brasil está sendo “atacadas” pelos manifestantes, pois em muitas situações tal emissora adotou posturas que denotam claramente uma posição de favorecimento pessoal em relação ao governo, por interesses próprios, em detrimento das manifestações.
A Internet tem vários atributos que nos incentivam a pensar nela como um meio democrático. Parte disso pode ser atribuída aos princípios de design que foram estabelecidas no início de sua evolução. A falta de controle centralizado sugere a muitas pessoas que a censura ou outras tentativas de controle será frustrado. Outros atributos são o resultado de design social nos primeiros dias, o apoio fortemente libertário para a liberdade de expressão, a cultura de partilha que permeou quase todos os aspectos do uso da Internet.
A contribuição mais significativa da Internet foi a ideia de comunicação de muitos para muitos não mediada em grande escala, através de grupos de discussão, salas de bate-papo e muitos outros modos. Este tipo de comunicação ignorou os limites estabelecidos com meios de transmissão, tais como jornais ou rádio, e com um-para-um de mídia, tais como cartas ou telefones fixos. Finalmente, a Internet é uma rede digital de massa com os padrões abertos, acesso universal e barato para uma grande variedade de meios de comunicação e os modelos podem ser realmente alcançada.
Não se pode, no entanto, esquecer que a internet é uma “faca com dois gumes”, pois ela possui aspectos obscuros e desafios que a permeiam de maneira profunda, por vezes ofuscando a utilização democrática deste novo instrumento.
Além da necessidade de um foco direcionado ao desenvolvimento eficiente e eficaz da competência informacional, entre muitas outras questões, aparece também a preocupação da segurança e proteção dos dados sensíveis e da utilização desse instrumento para a opressão e vigilância estatais.
Nessa ordem de coisas, recentemente vimos a divulgação do Projeto Secreto estadunidense denominado Prisma que, após sua divulgação, teve a confirmação de sua existência pelo Presidente Obama e que, de forma bastante sucinta, revela-se uma sistema de “espionagem”, através do qual o governo dos Estados Unidos intercepta, armazena e analisa dados sensíveis e informações privadas de milhões de pessoas, estadunidenses ou não.
Estamos vendo as “gotas d´àgua” serem pingadas. Que transborde!
Palavras-Chave: Passe Livre, Primavera Árabe, democracia eletrônica, e-democracia, e-democracy, movimento sociais, movimento político, luta, manifestantes, democracia direta e indireta, governo, liberdade, privacidade, espionagem, dados sensíveis, internet, povo, segurança, opressão, vigilância.